por Stella Maris Bortoni-Ricardo
Comemora-se neste 10 de junho o Dia Nacional da Língua Portuguesa, língua oficial do Brasil e de sete outros países. Estima-se que seja falada por 230 milhões de pessoas, nos cinco continentes, em territórios que somados perfazem 10.074.000 m². Tudo isso faz da Língua Portuguesa a oitava mais falada no mundo e a terceira com maior número de usuários no Ocidente. A nós interessa saber também que, em cada quatro falantes de Português no mundo, três são brasileiros.
De fato, entre os países lusófonos que constituem a CPLP, somente em Portugal e no Brasil, o Português, além de ser língua oficial, é também língua materna de quase a totalidade da população. Portugal conferiu status de língua oficial também ao Mirandês; no Brasil o Português é a única língua oficial, mas existem cerca de 180 línguas minoritárias, as das nações indígenas; as preservadas em áreas de imigração ocorrida a partir do século XIX e duas línguas de sinais.
Pode-se considerar a Língua Portuguesa como o maior patrimônio de nossa constituição como nação. Durante os dois primeiros séculos da colonização, o Português, que se expandiu gradualmente, à medida que aumentava o número de colonizadores lusitanos, conviveu com línguas nativas e línguas africanas. Marcas desse multilinguismo são encontradas na redução flexional dos sistemas nominal e verbal das variedades populares no Brasil. Alguns pesquisadores atribuem nosso extensivo monolinguismo a um processo glotofágico, paralelo ao etnocídio de nossa população aborígine e da atenta política linguística da corte portuguesa. Não se pode perder de vista esses fatos históricos.
A Língua Portuguesa deve ser objeto de nosso apreço e de nosso orgulho. No entanto, para celebrar o seu dia, optei por trazer à consideração alguns dados preocupantes sobre o Português, a começar pelo fato de que o mundo da lusofonia é também um mundo de analfabetismo, que vou ilustrar somente com dados brasileiros.
O Censo de 2010 indicou que 9,6% dos brasileiros são analfabetos absolutos e o Quinto Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional – INAF –, divulgado em setembro de 2005, mostrou que só 26% da população brasileira, na faixa de 15 a 64 anos de idade, são pessoas plenamente alfabetizadas (www.ipm.org.br). Isso se reflete na pouca presença do Português na web. Há seis mil línguas no mundo e somente 12 delas são usadas em 98% das páginas na internet, sendo que o Inglês é empregado em 72% do total dessas páginas.
Outro dado importante diz respeito aos hábitos de leitura no Brasil. Segundo a Câmara Brasileira do Livro – CBL –, em estudo de 2008, somente 13,6% da população brasileira lê pelo menos três livros por ano. Cada brasileiro lê, em média, 1,8 livro/ano, em oposição aos EUA (cinco livros per capita) e à Europa (entre cinco a oito livros lidos por habitante).
A promoção da leitura é uma política pública importante, assim como o aperfeiçoamento da educação de jovens e adultos, EJA. Apesar dos investimentos nesse setor, os resultados não têm sido animadores. Uma boa iniciativa governamental visando ao incremento da leitura e da escrita no Brasil poderia ser a criação do sonhado Instituto Machado de Assis, nos moldes dos Institutos Camões, Cervantes, Goethe e outros, que são propulsores da educação linguística e da cultura literária em seus respectivos países.
Que a celebração da Língua Portuguesa no seu dia possa promover uma reflexão ampla e séria sobre os fatos sombrios do analfabetismo nas comunidades de Língua Portuguesa.
Stella Maris Bortoni de Figueiredo Ricardo é professora titular de Lingüística aposentada da UnB. Atualmente atua como docente e pesquisadora e como orientadora do Doutorado em Lingüística, na Faculdade de Educação da mesma universidade. Tem graduação em Letras Português e Inglês, tendo cursado o primeiro ano no Lake Erie College, em Ohio, US; mestrado em Lingüística pela Universidade de Brasília e doutorado em Lingüística pela Universidade de Lancaster, Inglaterra. Atua principalmente nos temas: formação de professores, educação em língua materna, letramento, alfabetização e etnografia de sala de aula.
Fonte: UnB Agência - Universidade de Brasília
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